Soluções para o Conflito entre Religião e Ciência
Nos últimos quatro ou cinco séculos a ciência conquistou avanços impressionantes, e através deles a humanidade reescreveu sua relação com o universo, a natureza e consigo mesma. Já as religiões estão presentes há mais tempo, e colaboraram com o desenvolvimento da civilização em diversos aspectos, mesmo que algumas delas tenham em alguns momentos feito exatamente o contrário.
Ao longo de tantos séculos de convivência, a relação entre estas duas grandes forças culturais tem sido tumultuada, complexa e confusa. É preciso considerar de início que ciência e religião possuem métodos diferentes para alcançar seus objetivos. O método científico está fundamentado na razão e no empirismo, enquanto a religião reconhece o valor da revelação, da fé da sacralidade.
Além disso, os objetivos finais de ciência e religião também são distintos, algo que é fosse ignorado na maior parte dos debates a respeito do assunto. A falta de clareza sobre esta diferença é o que dá suporte ao desprezo de uma pela outra.
O objetivo da ciência é a constante construção e organização de conhecimento na forma de explicações e predições a respeito do universo. Este conhecimento parte de evidências empíricas e mensuráveis, que podem ser submetidas a certos princípios elementares da razão.
Já o objetivo da religião é estabelecer uma relação entre a humanidade a espiritualidade, que envolve o desconhecido e o sobrenatural. Para isso, usa um sistema complexo formado por narrativas, símbolos, tradições e rituais que representam ou pretendem explicar o significado da existência humana e as razões da origem e do fim da vida.
Colocadas as coisas desta forma, religião e ciência parecem estar condenadas a serem eternas rivais. Não só seus métodos são inconciliáveis e seus objetivos são distintos, mas o passado desta relação apenas contribuiria para que os defensores de cada lado permaneçam até hoje de armas em punho e dentes cerrados.
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Apesar disso, não existe consenso entre os estudiosos a este respeito. Alguns afirmam que a ciência e a religião devem estar necessariamente separadas, como John William Draper com sua teoria do conflito, e Stephen Jay Gould com sua proposta dos domínios não-interferentes.
Outros no entanto, propõem uma interconexão científica e religiosa, como são os casos do eco-espiritualista Thomas Berry, do oponente dos quatro cavaleiros do novo ateísmo John Lennox, e de Ken Wilber com seu movimento integral. De maneira geral, os tipos de interação que podem ocorrer entre ciência e religião vêm sendo classificadas da seguinte maneira:
1. Conflito: religião e ciência são contraditórias e incompatíveis.
2. Independência: religião e ciência são dois campos distintos de investigação.
3. Diálogo: religião e ciência possuem interesses em comum.
4. Integração: religião e ciência podem ser unidas em um único discurso.
Destas quatro classes de relação entre os dois domínios, o conflito acabou se tornando a mais popular, possivelmente por ser a abordagem mais agressiva e apelativa para a mentalidade contemporânea, que passou a rejeitar as religiões por causa da aparente incoerência de grande parte dos dogmas e regras morais religiosas, além da postura suspeita de suas lideranças.
No entanto, o conflito não é a única alternativa, e as outras três classes servem como possíveis soluções para o conflito entre religião e ciência, o que pode ser visto com clareza, desde que seja posta de lado por alguns momentos a sanha proselitista e desapareça o sangue nos olhos dos fanáticos de ambos lados.
A maioria dos sustentadores do alternativa do conflito apelam para a uma variedade de argumentos históricos, filosóficos e científicos, como o debate em torno do Criacionismo e da teoria do Design Inteligente, as posturas da Igreja Católica sobre sexualidade e saúde pública, a oposição da mesma Igreja aos avanços científicos em diversas épocas históricas e os estudos que examinam a eficácia da oração.
Há também quem sustente a incompatibilidade filosófica entre as duas, e mais ainda, pensadores e cientistas que combinam as incompatibilidades históricas e filosóficas. É o caso do astrônomo norte-americano Neil DeGrasse Tyson, quem propõe que os cientistas religiosos como Isaac Newton poderiam ter avançado mais em suas descobertas se não tivessem aceito respostas religiosas para problemas científicos não resolvidos.
Uma primeira alternativa ao conflito é a independência, segundo a qual ciência e religião representam modos distintos de abordar a experiência humana, sendo a ciência é mais descritiva e a religião mais prescritiva. Por isso, seria tão impróprio a ciência tentar apresentar uma visão de futuro para a conduta humana, quanto a religião tentar descrever as propriedades do mundo natural.
Esta diferença é um ponto fundamental na possibilidade de independência, pois a ciência falharia ao tentar cumprir o papel normativo exercido pela religião, já que muitos pressupostos elaborados cientificamente justificariam condutas que ultrapassam os limites da moralidade e da ética. Contudo, justificar a importância da religião apenas com base na moralidade corresponde à ignorar completamente seus propósitos e reduzir toda a sua riqueza a um manual de conduta.
Outra visão moderna que está alinhada com a alternativa de independência é a descrita por Stephen Jay Gould, intitulada domínios não-interferentes. De acordo com ela, ciência e religião lidam com aspectos essencialmente separados da experiência humana, e por isso deveriam permanecer cada uma em seu domínio próprio, o que garantiria uma coexistência pacífica.
A segunda alternativa é aquela que apresenta o diálogo como ferramenta de armistício entre ciência e religião, partindo do princípio de que existe um certo grau de concórdia entre as crenças religiosas e as evidências científicas. Por um lado, a crença de que Deus criou o mundo e os seres humanos permitiria compreender que faz parte dos planos do Criador o conhecimento da Criação pela humanidade.
Olhando para a história, apesar dos conflitos que podem ser identificados, em muitos momentos as perspecticas científicas e teológicas coexistiram pacificamente. Especialmente as religiões não-cristãs sempre conviveram bem com a mentalidade científica, como no caso do desenvolvimento tecnológico do antigo Egito e dos avanços científicos promovidos pelos muçulmanos durante o Império Otomano.
Até mesmo muitas comunidades cristãs foram capazes de conviver tranquilamente com a ciência, e muitas das grandes figuras da história científica do Ocidente eram cristãos, como é o caso de Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Robert Boyle e tantos outros.
A terceira e última alternativa é a integração, segundo a qual a ciência e a religião jamais podem estar em conflito, pois a religião sem ciência resulta em superstição, e a ciência sem religião se torna materialista. Dentro desta categoria está a comunidade científica interessada no estudo do fenômeno religioso e as religiões que admitem mudanças de seus dogmas em função dos avanços científicos.
Neste último caso, o grande expoente da atualidade é o Budismo, na figura de seu máximo representante, Sua Santidade o Dalai Lama, quem tem passado bastante tempo na companhia de cientistas. Para ele, o entendimento da natureza da realidade deve ser feito através da investigação crítica, seja no Budismo ou na ciência.
Num posicionamento surpreendente para uma liderança religiosa, o Dalai Lama afirmou que se a ciência demonstrasse de forma conclusiva que o Budismo é falso, suas descobertas deveriam ser aceitas e os preceitos budistas deveriam ser abandonados. Seria um bom caminho a ser seguido pelos proponentes do conflito entre ciência e religião e a erradicação desta última. No entanto, ao que parece nenhum progresso tem sido feito de modo que a proposta do Dalai Lama seja aceita.
Estas três alternativas reconhecem as diferenças entre os paradigmas científico e religioso, e cada uma delas se posiciona de forma a permitir a convivência entre ciência e religião. Ao contrário da primeira alternativa, que é o conflito, qualquer uma das três seguintes pode conduzir a descobertas fantásticas e favorecer o respeito aos limites que cada uma delas possui.