O Mito da Maldição da Pistis Sophia
Existe consenso entre os estudantes do gnosticismo universal a respeito da complexidade da Pistis Sophia, um dos livros mais importantes de nossa tradição. Mesmo aos professores e Sacerdotes que se dedicam há muito mais tempo à sua leitura, as palavras do Jesus Cristo ressurrecto parecem estar por vezes envolvidas em um mistério impenetrável.
Longe de toda dúvida, são vários o fatores que com frequência transformam esta obra numa fortaleza que resiste às investidas do intelecto menos preparado e do coração menos sensível. Dois destes fatores são alheios à própria obra: traduções demasiado insuficientes e leitores inábeis bastam para que a aura de impenetrabilidade de Pistis Sophia se perpetue.
Há contudo, um fator adicional que colabora para hermetificar ainda mais as mensagens do Salvador do Mundo, e aí já não importam mais neste contexto a habilidade cognitiva do leitor e a capacidade técnica do tradutor.
Este fator consiste em que o livro da Pistis Sophia é composto por mitos, ou seja, relatos de natureza sagrada que, constituídos por alegorias e símbolos, transportam significados universais.
E os mitos não são algo de fácil assimilação, pois a sabedoria que encerram pertencem aos domínios da alma, e não aos reinos da razão e da crença.
Portanto, a compreensão da sabedoria gnóstica desta obra passa pela capacidade de assimilar profundamente o significado esotérico de seus mitos. Esta capacidade é o que chamamos nos estudos gnósticos contemporâneos de Dialética da Consciência, o instrumento psíquico que a consciência desperta é capaz de utilizar com o intuito de realizar em si mesma o conhecimento.
Quando este instrumento psíquico está atrofiado, os mitos são contemplados pelas esferas inferiores da mente – as responsáveis pelo conceito e pela crença – e se convertem em dogmas. Mas há ainda algo bastante negativo que pode acontecer quando a consciência perde espaço para a combinação nefasta entre uma personalidade obsoleta, uma mente insaciável e certos conteúdos psíquicos relacionados com a arrogância e a ânsia pelo poder.
Eventualmente, sendo por natureza incapaz de interpretar os mitos e captar seu profundo significado, a mente não só institui dogmas a partir das alegorias que atravessam o caminho de seus olhos e ouvidos, como também abre as asas de sua imaginação mecânica, abandona o lastro do bom senso e passa a criar novos mitos.
Contudo, ao contrário dos mitos que são formados espontaneamente mediante a atividade criadora de indivíduos inspirados para que contenham em si mesmos uma sabedoria esotérica, estes novos mitos transportam apenas informações falsas e até mesmo mentiras – intencionais ou não – que servem para sustentar aquela sensação muito particular de superioridade e soberba que só os inimigos da liberdade são capazes de cultivar.
Esta classe de mitos, de acordo com um de seus significados denotativos mais populares, são representações falsas e simplistas, mas que geralmente são admitidas por todos os membros de um determinado grupo. Tais mitos ocupam o lugar do autêntico saber de natureza gnóstica, e via de regra são impostos sob a alegação de autoridade, hierarquia, experiência ou idade avançada à mente crédula, e não assimilados de forma espontânea pela consciência desperta.
Infelizmente, o gnosticismo contemporâneo está infestado por uma verdadeira praga de mitos, os quais devem ser desfeitos, um a um, com grande urgência. Os responsáveis pela difusão da doutrina gnóstica não podem mais tolerar – e quem dirá empregar – esta classe de mecanismos de emburrecimento e controle coletivo, pois assim estarão sendo coniventes com a perpetuação da ignorância.
O que neste artigo pretendemos desfazer é o mito da Maldição da Pistis Sophia, pois consta a muitos inocentes desinformados e a um punhado de amantes de falsos mitos – estes não tão inocentes assim – que todos os autores que tentaram decifrar, fazer interpretações ou tecer comentários sobre o livro da Pistis Sophia morreram antes que sua obra fosse concluída ou publicada.
Este falso mito está fundamentado de maneira indireta na informação de que grandes autores do passado, como a mestra teosofista Helena Petrovna Blavatsky e o mestre gnóstico rosa-cruz Arnold Krumm-Heller, morreram antes de concluir suas interpretações da obra valentiniana. À eles, soma-se o caso de Samael Aun Weor, grande mestre gnóstico do século XX, que também desencarnou antes de concluir seus comentários sobre a Pistis Sophia.
Contudo, em nossas pesquisas pessoais, verificamos que estes fatos não são suficientes para concluir que exista uma maldição assombrando os autores que tentaram comentar, interpretar ou develar a Pistis Sophia, pois a verdade é que nem todos eles morreram antes de concluir sua obra.
Este mito da maldição começa a ser abalado profundamente quando recordamos que G. R. S. Mead, autor de importantes obras de Teosofia e Gnosticismo, realizou não apenas uma, mas duas edições comentadas do livro da Pistis Sophia que ele mesmo traduziu, a primeira do latim (1890) e a segunda do copta (1896). Mead morreu quase quarenta anos depois da publicação da primeira edição de sua ousada tradução do copta.
Mais recentemente, outro autor que comentou a Pistis Sophia e continua vivo é o acadêmico e linguista James J. Hurtak, que em conjunto com sua esposa e também acadêmica Desiree E. Hurtak, realizou em 1999 uma edição de 900 páginas contendo os textos originais em copta acompanhados pela tradução e comentários sobre as aventuras de Sophia.
Ainda temos o caso de um argentino chamado Francisco que comentou a Pistis Sophia e permanece vivo até os dias de hoje. E não estamos falando do novo Papa, mas sim de Francisco García Bazán, um especialista em Gnosticismo, Neoplatonismo e Hermetismo, doutor em Filosofia que realizou em 2007 a primeira tradução direta do original em copta para o espanhol, acompanhada de comentários.
O responsável pela divulgação desta informação desmistificadora é o amigo e irmão Douglas Remonatto, da AGEACAC Portugal, quem ainda nos lembra que Bazán continua bem de saúde e lecionando. Seus comentários podem ser encontrados no segundo volume de sua obra La Gnosis Eterna. Antología de Textos Gnósticos Griegos, Latinos y Coptos, publicada pelo Editorial Trotta de Madri.
Entendemos que estes três exemplos são mais que suficientes para mostrar que não existe fundamento para o mito da maldição de Pistis Sophia. No entanto, é nossa obrigação apontar diretamente para o que acreditamos ser a fonte textual das lamentáveis interpretações que originaram o mito. Consta no Prólogo da primeira edição do livro La Pistis Sophia Develada o seguinte comentário casual feito por Antonio Maldonado:
(…) todos los historiadores Gnósticos Esotéricos han querido develar (la Pistis Sophia) y en su mayoría han desencarnado antes de hacerlo tales como Epifonio, Tertuliano, Clemente de Alejandría, etc., recientemente Arnoldo Krumm Heller (Huiracocha) y por último el V.M. Samael Aun Weor, que también no alcanzó a terminar su develación (…)
Observe bem querido leitor onde se encontra a fonte do equívoco. Antonio Maldonado, genro e por vezes secretário de Samael Aun Weor, afirma que a maioria dos autores que quiseram develar a Pistis Sophia morreram antes de completar seu intento. De forma nenhuma ele afirma que todos morreram, nem mesmo sugere que exista alguma maldição.
Muito provavelmente esta ideia equivocada originou-se de uma tradução deficiente ao português (pois não temos conhecimento de que este mito seja comum em países hispânicos) ou mesmo de uma interpretação de texto extremamente deficiente. Contudo, não se pode fechar os olhos ao fato de que a algumas pessoas agradam os falsos mitos, pelas razões apresentadas anteriormente.
É preciso reconhecer a existência destes dogmas que foram sendo criados com o passar do tempo, e que acabaram ocupando o lugar do estudo e da maturidade doutrinária do gnosticismo contemporâneo. E após o seu reconhecimento, é preciso que sejam desfeitos de imediato, pois sendo gnósticos buscamos a verdade oculta pelos mistérios divinos, e não os mistérios humanos que ocultam a verdade.
Muito bom este texto de esclarecimento sobre a suposta maldiçao da Pistis Sophia. Nao conheço as traduçoes feitas por Mead, Hurtak e sua esposa, Bazán, mas o que podemos perceber é como diz o genro do mestre Samael, que a grande maioria de historiadores Esotéricos tenham desencarnado. De nenhuma maneira é a minha pretensao tirar o mérito dos academicos e escritores, mas os autores que tinham sobre eles o peso da vida iniciática, de maestria, de uma vida plenamente de ensinos espirituais, que poderiam desvelar a Pistis Sophia com alguma profundidade maior, estes sim desencarnaram antes de concluir as suas obras.
Aprecio seu comentário Emilio.
Muito obrigado pela sua gentil contribuição.
Contudo, não existe motivo para não colocarmos G. R. S. Mead, com a mais absoluta tranquilidade e fundamentados no conhecimento de suas obras, entre os iniciados que develaram a Pistis Sophia com suficiente profundidade esotérica. E ele o fez por duas vezes, vivendo ainda quase quarenta anos após a segunda obra.
Além disso, Maldonado, em seu comentário inaugural do mito da maldição, afirma tão somente e como simples artifício retórico que a maioria dos comentadores morreu antes de finalizar sua obra. E isso não constitui, em hipótese alguma, uma maldição. Reforço a proposta de erradicação dos falsos mitos de dentro da cultura gnóstica.
Cada um é livre para crer no que for mais conveniente para si, mas é o dever da Sociedade Gnóstica preservar a doutrina gnóstica, e isso exige que façamos esforços para extirpar as falsas ideias que obscurecem o intelecto e a percepção direta da verdade. E este dever transcende quaisquer preferências particulares.
Abraços Fraternos.
Boa tarde.
Helena Blavatsky sofreu perseguições a vida toda, em boa parte por tentar revelar as Estâncias de Dzyan…
Boa tarde Marcelo,
Certamente, assim como diversos outros iniciados, adeptos e mestres sofreram perseguições quando se propuseram à entregar a Luz à humanidade.
Abraços Fraternos!
Sinceramente, não encontro razão para isso. Tenho os livros do Sr. Hurtak, do mestre Samael A. Weor e do Sr. Raul Branco. Outro livro que também possuo e do Sr. J. vam Rijckenborgh que é um bom livro, porém, está inacabado, pois o autor veio a falecer.
Dos livros que eu tenho o que trás mais luz sobre esses ensinamentos gnósticos são os livros do Sr. Hurtak e do Sr. Rijckenborgh, porque os comentários são eficazes melhorando a compreensão, porém,afirmo que o livro não é de fácil compreensão.
Também, faço um pedido pois quero adquirir o livro do Sr, G.R.M.. Aguardo sugestões. Obrigado.
Olá Luiz,
Muito obrigado pelo seu comentário.
Abraços Fraternos!
Paz Inverencial!
O pior de tudo é terem tirado a Aclaração, o prólogo e o epílogo da obra que se constituem nas peças chaves, inclusive referentes à develação feita magistralmente pelo V.M Samael Aun Weor.
Assim caminha inconscientemente a humanidade e muitos santorrões hipócritas e fariseus que como diz Pistis Sophia se valem e usam as próprias palavras do Cristo para atacar o mesmo Cristo”.
Olá Lucas,
Obrigado pelo seu comentário.
E obrigado por ter ressaltado outro equívoco que se tornou comum nos dias atuais: alteração da obra dos Mestres.
Cada vez mais fica evidente a necessidade de nos reunirmos em torno de um RESGATE DOS PRINCÍPIOS E DAS BASES DO GNOSTICISMO, deixando de apoiar e dar força às instituições que carregam a GNOSIS só no nome.
Abraços Fraternos!
Paz Inverencial!
“A natureza deste sinal é clara…a luz é luz energia e consciência em seus muitos estados” está é uma verdade singular, uma verdade quando revelada a coordenação da mente, não deve depois ser questionada, quando uma verdade natural é discutida enutre os eruditos ou ignorantes ambos cometem o pecado de questionar em si mesmos o que deveriam estar afirmando…pistas Sophia revela verdades sutis da metafisica da alma e do campo moral e ético. O que levou nossos irmao a desencarnar neste caso é o fato de estando eles de posse da joia do pensamento nao terem sido capazes de se manifestarem afirmativamente e positivamente as verdades seladas no livro. Sem dúvida suas mortes vieram decorrentes de suas especulações e teorias efêmeras desenvolvidas pela percepção física e limitada, acerca do inefável. Um lviro que requer humildade para compreençao, não deve ser prova nada por corações cuja ambição não esteja em concordância com a verdade Expressa pela relação entre luz e verbo. Nossos entusiastas da Ciência provavelmente o estudavam com mentes duvidosas sobre as revelações do livro! Este é meu parecer sobre este mito. Obrigado pelas palavras, este texto é muito enriquecedor pois afirma o mistério e suas possibilidades ao invés de questiona-lo. Obrigado.