A Gnosis de Roger Waters
Há algum tempo vimos insistindo que a Gnosis não é propriedade intelectual de qualquer um, seja mestre, discípulo ou leigo, que a tenha experimentado e comunicado na forma de alegorias ou doutrinas. Pelo contrário, a Gnosis corresponde à uma experiência mística única e transcendente de lembrança e reconhecimento de uma identidade divina original.
Desta forma, qualquer um que experimente a Gnosis em sua intimidade espiritual, se assim desejar, pode comunicá-la com o instrumental simbólico de que dispõe, dando origem a uma mitologia particular e exclusiva, mas que em essência está conectada com a jornada de todas as essências espirituais que num momento perdido no tempo desprenderam do absoluto e hoje estão condenadas à existência humana.
Mesmo que alguns resistam à ideia, aqueles que já viveram a experiência da Gnosis jamais deixariam de reconhecer que uma destas mitologias gnósticas particulares é a ópera rock The Wall, idealizada por Roger Waters, um dos fundadores e líder da banda britânica de rock progressivo Pink Floyd, conhecida mundialmente por suas letras filosóficas e sua música psicodélica.
Em síntese, The Wall fala sobre a angústia vivida pelo personagem Pink, que não consegue lidar com os fatores que o oprimem desde a infância e acaba se isolando atrás de um muro metafórico. As músicas narram os episódios de sua vida física e psíquica, dos tormentos sofridos pela ausência do pai, a sufocação de uma mãe protetora e da opressão sofrida na escola por professores tirânicos. Estas vivências se tornam tijolos que vão formar o muro de seu isolamento.
The Wall foi convertido em um filme que por vezes é considerado um mega videoclipe, mas qua a maioria considera uma animação musical. Foi produzido no ano de 1982 pelo diretor britânico Alan Parker, baseado no álbum The Wall, da banda Pink Floyd. O roteiro foi escrito pelo vocalista e baixista da banda, Roger Waters, e possui poucos diálogos, sendo mais metafórico e movido pelas músicas de fundo sendo interpretadas e sequências de animação.
No filme de Alan Parker, o personagem central acaba se tornando uma estrela do rock, e seus relacionamentos são marcados pela infidelidade, pelo abuso de drogas e por rompantes de violência. A ruína de seu casamento é o elemento que completa a construção do muro. Ali dentro, escondido, Pink se refugia num mundo de fantasia que cria para si, onde se transforma num ditador ao estilo fascista, que ordena a perseguição daqueles que são considerados diferentes e indignos.
Depois de muitos abusos, Pink se arrepende e se submete a um julgamento, onde é acusado de mostrar seus sentimentos humanos. Ele enfrenta os três personagens que causaram a construção do muro: o professor tirano, a esposa superexigente e vingativa que o acusa de abandono para justificar sua infidelidade e a mãe excessivamente protetora. No fim, ele é condenado, e seu juiz interior ordena a destruição do mundo.
Sem dúvida, The Wall é uma impressionante e profunda metáfora do isolamento humano provocado pela a submissão do indivíduo às rígidas estruturas sociais formadas pelas instituições religiosas, pelas forças militares e pelo complexo educacional, que dificultam relacionamentos baseados na autenticidade e causam embotamento emocional. Além disso, a biografia de Waters e algumas de suas experiências desagradáveis com um antigo membro da banda e com um fã canadense serviram de inspiração para a história.
Não é nossa intenção reduzir esta complexa mistura de experiências a uma revelação mística traduzida através de elementos traumáticos e psicodélicos, mas sim ressaltar os aspectos presentes em The Wall que narram a epopeia gnóstica da alma desde o seu desprendimento de sua fonte primária, passando pelo tormento da prisão existencial até o seu retorno apoteótico à origem mediante a resignificação de suas próprias experiências.
Em síntese, a mitologia gnóstica que descreve a jornada da alma consiste na existência de uma fonte primária espiritual, chamada em algumas correntes gnósticas de Absoluto, de onde foram emanadas as essências espirituais, chamadas Eons. Um destes Eons, chamado Demiurgo, construiu um mundo material semelhante ao mundo espiritual, mas falho, cheio de regras e de mecanicidade, e marcado pela impermanência. Neste mundo vieram parar as essências emanadas do Absoluto, na mitologia representadas por Sophia, que aqui chega e fica aprisionada, padecendo de múltiplos sofrimentos, até resolver se arrepender e retornar à sua origem.
Para os gnósticos, o mundo criado pelo Demiurgo é o nosso mundo material e finito, um ambiente falho e ilusório. Contudo, o Absoluto precisa deste mundo demiúrgico pois é somente através dele que as essências espirituais serão capazes de alcançar o conhecimento de si mesmas, fenômeno este que é chamado de Gnosis. Uma vez conciliadas em corpos materiais, estas essências sofrem, choram, riem e brincam, e em todas estas experiências humanas existe a oportunidade de alcançar a Gnosis.
Mas esta humanidade que as essências espirituais adquirem fica registrada como memória e acaba formando uma espécie de identidade, que é chamada de Ego. À princípio, este Ego é criado como uma forma da alma se proteger da angústia que sente por estar longe do Absoluto. Mas, logo o Ego se mostra inútil para este fim, e se converte em um grande obstáculo para a lembrança da unidade transcendente e uma grande fonte de novos sofrimentos.
Esta breve descrição mitológica possui elementos que são identificáveis em The Wall, mesmo que Roger Waters nunca tenha se declarado gnóstico, pois a mitologia gnóstica é conta a história da alma, não importa em qual corpo ela esteja encarnada.
E o primeiro, e talvez mais evidente, elemento gnóstico presente em The Wall é o sentimento da ausência paterna, retratado logo pela primeira música, intitulada In The Flesh (Em Carne e Osso), e que se apresenta como resultado da emanação da alma da fonte primária absoluta e espiritual e a sua consequente encarnação, que é o mesmo que entrar na carne.
Nesta primeira canção, Roger Waters apresenta o drama da alma que, sob a ótica gnóstica, desejava separar-se da luz e fazer-se de carne e osso para experimentar um espetáculo de múltiplas sensações oferecidas pela criação, mas que aqui chegando se deu conta de que cometeu um engano ao perseguir uma ilusão, e encontrou apenas a sensação esquiva de felicidade e a frieza da matéria:
So ya’… Thought ya’… Might like to… Go to the show… To feel… The warm thrill of confusion… That space cadet glow… Tell me is something eluding you sunshine?… Is this not what you expected to see?… If you wanna’ find out what’s behind these cold eyes… You’ll just have to claw your way through this disguise!… “Lights! Turn on the sound effects! Action!”… “Drop it, drop it on ‘em! Drop it on them!” (In The Flesh)
Então você… achou que… poderia gostar de… ir ao espetáculo… Para sentir… A excitação calorosa da confusão… Aquele jovem brilho espacial… Diga-me… Tem algo o iludindo querido (luz do sol)?… Não era isso o que você esperava ver?… Se você quiser encontrar o que esta por trás deste olhos frios… Você terá de atravessar com dificuldades este disfarce!… “Luzes! Ligue os efeitos sonoros! Ação!”… “Solte, solte-os sobre eles! Solte-os sobre eles!” (Em Carne e Osso)
A alma é chamada de jovem brilho espacial e de luz do sol, algo muito significativo, pois para os gnósticos a alma é um raio proveniente das profundezas da luz cósmica universal que concilia a si mesma no universo material. Para Waters, a criação e a matéria são um disfarce que oculta um mistério, que é a própria alma, e que ela mesma será capaz de encontrar somente depois de muitos esforços.
E é aqui que entra em cena o segundo elemento gnóstico, agora representado pelas canções seguintes, tratando da angústia experimentada por Pink – a alma – ao sentir-se oprimido pela estrutura social – o mundo material. De início, a segunda música, intitulada Thin Ice (Gelo Fino), narra a dificuldade de viver nesta estrutura, e a perspectiva sempre presente de retorno ao abismo espiritual, que implicaria numa saída de si mesmo.
Momma loves her baby… And Daddy loves he too… And the sea may look warm to you Babe… And the sky may look blue (…) If you should go skating… On the thin ice of modern life… Dragging behind you the silent reproach… Of a million tear stained eyes… Don’t be surprised, when a crack in the ice… Appears under your feet… You slip out of your depth and out of your mind… With your fear flowing out behind you… As you claw the thin ice. (Thin Ice)
Mamãe ama o seu filho… E papai também o ama… E o mar pode parecer morno para você querido… E o céu pode parecer azul… Se você patinasse… Sobre o gelo fino da vida moderna… Arrastando atrás de você a censura silenciosa… De um milhão de olhos cheios de lágrimas… Não fique surpreso, quando uma rachadura no gelo… Aparecer debaixo de seus pés… Você deslizaria na sua profundidade e sairia fora de si… Com seu medo fluindo atrás de você… Enquanto você arranha o gelo fino. (Gelo Fino)
A metáfora do andar apreensivo sobre o gelo fino que se forma sobre o oceano profundo e misterioso descreve como as próprias estruturas sociais e os condicionamentos demiúrgicos dão origem ao medo da liberdade, que em conjunto com as promessas do amor maternal e da proteção paternal aprisionam a alma numa sensação de segurança. Esta última, ao longo de toda a obra, será provada insuficiente para aplacar a angústia, levando à construção do muro.
O início de Thin Ice introduz os fatores que formam a sensação de segurança que anda de mãos dadas com o autoritarismo, sua única garantia, ao mencionar as figuras paternais e a promessa de um oceano morno e de um céu azul. Adiante, nas canções que seguem, Waters apresenta com mais detalhes a censura e as regras rígidas mescladas com o conforto que premia os que as respeitam e a elas se adaptam. Antes disso, contudo, a saudades do pai e a ânsia de sua recordação reaparecem na forma de uma certa decepção manifestada por uma alma que não compreende ainda os motivos e as razões da existência, o que se converte no primeiro dos tijolos do muro que começa a ser construído.
Daddy’s flown across the ocean… Leaving just a memory… The snapshot in the family album… Daddy what else did you leave for me?… Dad, what you leave behind for me?… All in all it was just a brick in the wall… All in all it was all just bricks in the wall. (Another Brick In The Wall, Pt. 1)
Papai voou através do oceano… Deixando apenas uma memória… A foto no álbum da família… Papai, o que mais você deixou para mim?… Pai, o que mais você deixou para trás para mim?… Foi tudo apenas um tijolo na parede… Tudo foram apenas tijolos na parede. (Outro Tijolo no Muro, Pt. 1)
Esta decepção dá origem à rebeldia da alma em relação ao objetivo de sua existência, que para os gnósticos corresponde ao retorno à unidade com a fonte espiritual originária através do encontro com o eterno que está conciliado na multiplicidade da criação. Mas a alma também começa a se mostrar revoltada com as estruturas sociais, prenunciando o desajuste social que será revelado mais adiante.
When we grew up and went to school… There were certain teachers… Who would hurt the children any way they could… By pouring their derision upon anything we did… Exposing every weakness… However carefully hidden by the kids… (mananical laughter)… We don’t need no education… We don’t need no thought control… No dark sarcasm in the classroom… Teachers leave them kids alone… (The Happiest Days of Our Lives & Another Brick In The Wall, Pt. 2)
Quando nós crescemos e fomos para a escola… Havia certos professores… que machucavam as crianças de qualquer forma possível… Zombando de qualquer coisa que fazíamos… E expondo qualquer fraqueza… Tão bem escondida pelas crianças… (gargalhada mecânica)… Nós não precisamos de nenhuma educação… Nós não precisamos de nenhum controle de pensamento… Nenhum humor negro na sala de aula… Professor, deixe essas crianças em paz… (Os Dias Mais Felizes de Nossas Vidas & Outro Tijolo No Muro, Pt. 2)
Em Mother (Mãe), a verdadeira face da sensação de segurança se revela ao oferecer conforto e proteção em troca da vigilância e do controle pelo medo. Este processo iniciado em Thin Ice culmina com Goodbye Blue Sky (Adeus Céu Azul), onde ocorre o reconhecimento da decepção provocada pela falha do cumprimento da promessa de um admirável mundo novo.
Did you ever wonder?… Why we had to run for shelter?… When the promise of a brave new world… Unfurled beneath a clear blue sky. (Goodbye Blue Sky)
Você já se perguntou?… Por que tivemos que correr em busca de abrigo?… Quando a promessa de um admirável mundo novo… Abriu-se sob um limpo céu azul? (Adeus Céu Azul)
Nada do que a criação demiúrgica ofereceu até agora foi suficiente para aplacar o desconforto da alma que decorre de sua separação do absoluto espiritual, representado na obra pela figura paterna morta na guerra. O vazio primordial que ela sentiu em sua vinda para o espetáculo da matéria – expresso em In The Flesh – aumentou ao invés de diminuir, obrigando a alma a partir em busca de meios para preencher com sensações materiais esta falta que, para os gnósticos, é completamente espiritual.
What shall we use to fill the empty… Spaces where we used to talk… How shall I fill the final places… How shall I complete the wall. (Empty Spaces)
O que devemos usar para preencher vazios… Espaços onde costumávamos falar… Como devo preencher os últimos lugares… Como posso completar o muro… (Espaços Vazios)
Na canção Empty Spaces acontece uma das mais belas cenas do filme de Alan Parker, onde as faces de atração e repulsa provocadas pelo erotismo são mostradas numa representação artística perfeita. De acordo com o gnosticismo, o erotismo é o elemento biológico e espiritual que move o indivíduo na direção da complementação, também biológica e espiritual, oferecendo a possibilidade do reencontro tântrico com a divindade através do prazer sempre crescente em intensidade e sublimidade, ao mesmo tempo em que também apresenta a possibilidade de alienação espiritual devido à concupiscência.
A três canções seguintes, Young Lust (Desejo Imaturo), One of My Turns (Uma de Minhas Crises) e Don’t Leave Me Now (Não Me Deixe Agora), mostram a dificuldade que a alma enfrenta diante dos múltiplos e deslumbrantes prazeres que o erotismo lhe traz através de seus desejos. Contudo, esta dificuldade mostra sua verdadeira face quando a alma constata a impossibilidade de satisfação completa destes mesmos desejos, levando Pink ao desespero, ao aprofundamento da fragmentação de sua identidade e ao consequente rompimento de sua união matrimonial.
Não é demais lembrar que, para muitos grupos gnósticos da antiguidade, havia um sacramento chamado Mistério da Câmara Nupcial, através do qual era possível compreender e trabalhar positivamente com os desejos e com a força erótica, de modo que sua multiplicidade não ocasionasse um mergulho num estado anímico esquizofrênico, mas que servisse de impulso para o encontro do mistério divino conciliado nos matizes do universo material.
Finalmente, depois de tantos sofrimentos, tantos erros e tantas tentativas frustradas de recuperar sua identidade espiritual originária e fugir do medo que de diversas formas lhe foi imposto pela criação material, vem a canção Another Brick in the Wall, Pt 3, onde o personagem começa a consolidar o muro que vem construindo desde a segunda canção, e que representa uma identidade ilusória, chamada pelas tradições orientais e pelos gnósticos contemporâneos de Ego.
I don’t need no arms around me… And I dont need no drugs to calm me… I have seen the writing on the wall… Don’t think I need anything at all…. No!… Don’t think I’ll need anything at all… All in all it was all just bricks in the wall… (Another Brick In The Wall, Pt. 3)
Eu não preciso de braços ao meu redor.. E eu não preciso de nenhuma droga para me acalmar… Eu vi a escrita na parede… Não pense que eu preciso de alguma coisa… Não!… Não pense que vou precisar de algo… Afinal, foram apenas tijolos no muro. (Outro Tijolo Na Parede, Pt. 3)
O Ego é o elemento psíquico responsável pela separação definitiva da alma do mundo espiritual e pelas sensações de auto-suficiência, superioridade e onipotência. Esta separação da alma do Pleroma, termo gnóstico que corresponde ao mundo espiritual, decorre da ausência de Gnosis, o conhecimento (no sentido de lembrança e reconhecimento) de Deus, e pode ser encontrada nas canções seguintes, Good Bye Cruel World (Adeus Mundo Cruel), Hey You (Ei, Você), Is There Anybody Out There (Tem Alguém Aí Fora) e Nobody Home (Ninguém em Casa).
Mas a obra permite entender os sofrimentos que se transformam nas razões pelas quais a alma acaba assumindo o Ego como sua identidade, já que ele oferece a ela a possibilidade de permanecer Comfortably Numb, a música seguinte, que significa “confortavelmente paralisado, entorpecido, insensível e ignorante”. E assim, ela estaria definitivamente livre da sua angústia primordial, das decepções do mundo e da culpa pelos seus próprios erros.
Com a identificação completa da alma com o Ego ocorre um novo nascimento, representado pelo retorno da música In The Flesh (Em Carne e Osso). Nesta encarnação psíquica o personagem principal é um ditador carismático e adorado, distante como a figura paterna morta na guerra, controlador como a figura materna acolhedora e vigilante, autoritário e discriminador como o professor que escarnece os erros dos outros e exigente como a ex-mulher que o abandonou e traiu.
Seu Ego é mostrado emulando as características que formaram seu muro, e esta é a última alternativa da alma para enxergar sua própria ignorância. Inclusive os membros do auditório que assistem ao discurso do ditador gritam “hammer, hammer, hammer”, ou seja, “martele, martele, martele”, representando que mesmo os elementos que formam seu egoísmo oferecem uma alternativa de libertação.
É muito fácil julgar os erros alheios, aqueles que enxergamos à distância, estando nós confortáveis em nossa própria ignorância. Mas quando somos nós os autores dos erros, aí sim temos a possibilidade de enxergá-los In The Flesh, na própria carne, e desta auto-observação virá a oportunidade de quebrar o muro mediante o arrependimento, exatamente o que acontece na canção Stop (Pare):
Do you remember me… How we used to be… Don’t you think we should be closer?… And I put out my hand just to touch your soft hair… To make sure in the darkness that you were still there… And I have to admit… I was a little afraid… Stop… I wanna go home… Take off this uniform… And leave the show… I’ve been waiting in this cell… Because I have to know… Have I been guilty all this time? (Stop)
Você se lembra de mim… Como costumava ser… Não acha que deveríamos nos aproximar?… Eu estico minha mão pra tocar seu cabelo macio… Para ter certeza que você está aí no meio da escuridão… E tenho que admitir… Eu estava com medo… Pare… Quero ir pra casa… Tirar este uniforme… Deixar o espetáculo… Estive esperando nesta cela… Porque tenho que saber… Tenho sido culpado todo este tempo? (Pare)
No filme, a sequência traz a angustiante cena do julgamento, no qual todos os medos e todos os elementos que ajudaram a construir o muro são trazidos diante de Pink. Curiosamente, ao longo de todo o julgamento ele permanece absolutamente neutro, sem manifestar desespero ou revolta, como se contemplasse serenamente seus erros do passado, aprendendo sobre eles ao invés de sofrer.
Por fim, o muro é destruído por ordem do juiz interior de Pink, o que corresponde à libertação da alma mediante seus próprios esforços de arrependimento, palavra que vem do grego metanoia, e significa mudança de perspectiva. Mesmo que representado de forma bizarra e psicodélica, a figura do juiz representa a figura mítica do Cristo, o elemento salvífico da mitologia gnóstica, que resgata a alma de seu aprisionamento no mundo material e no Ego e a leva à uma reunião com as demais essências divinas no Peleroma, o mundo espiritual, que para Waters é o lado de fora do muro:
All alone, or in twos… The ones who really love you… Walk up and down outside the wall… Some hand in hand… Some gathering together in bands… The bleeding hearts and the artists… Make their stand… And when they’ve given you their all… Some stagger and fall after all it’s not easy… Banging your heart against some mad buggers wall… (Outside The Wall)
Sozinhos, ou em pares… Aqueles que realmente te amam… Caminham pra cima e pra baixo do lado de fora do muro… Alguns de mãos dadas… Outros em bandos… Os de coração aberto e os artistas… Se manifestam… E quando eles tiverem dado tudo de si à você… Alguns tropeçam e caem, afinal não é fácil… Bater seu coração contra o muro de algum maluco indesejado… (Fora do Muro)
Parabéns, muito bom… Me veio na mente um texto de Eliphas Levi que se equipara a toda esta rica simbologia narrada no drama de Roger Waters, e como vc diz no inicio do post: “Gnosis não é propriedade intelectual de qualquer um, seja mestre, discípulo ou leigo”, eis o grande mistério…
O Julgamento ( The Trial )
Roger Waters
Promotor:
Bom dia, verme sua excelência.
A coroa pretende mostrar que
O prisioneiro diante de você
Foi pego em flagrante mostrando sentimentos
Mostrando sentimentos de uma natureza quase humana;
Isto não presta
Chamem o mestre!
Professor:
Sempre disse que não daria boa coisa, excelência.
Se me deixassem fazer à minha maneira
Eu o colocaria na linha.
Mas minhas mãos estavam atadas,
Os mais sensíveis e os artistas
Perdoavam-lhe tudo.
Deixe-me martela-lo hoje?
“Pink Floyd”(Personagem):
Louco, Macacos me mordam eu sou louco,
Fui fisgado mesmo.
Deveriam ter tomado minhas bolinhas de gude.
O Juri:
Louco, macacos me mordam ele é louco.
Esposa de “Pink”:
Seu bostinha agora você está nessa,
Tomara que eles jogem a chave fora.
Você deveria ter falado mais vezes comigo
Mas, não!tinha que ser
Do seu jeito, destruiu muitos
Lares ultimamente?
Apenas cinco minutos, verme sua excelência,
Ele e eu, sozinhos.
Mãe de “Pink”:
Filhiiiiiiiiiinho!
Vem com a mamãe filhinho,
Deixe-me segurá-lo
Em meus braços.
Senhor nunca quis que ele causasse
Algum problema.
Por que tinha que me deixar?
Verme, sua excelência, deixe-me levá-lo para casa.
“Pink Floyd”(Personagem):
Louco,
Embaixo d’água, eu sou louco,
Grades na janela.
Deveria haver uma porta no muro por onde entrei!
O Juri:
Louco, embaixo d’água, ele é louco.
Juíz:
A prova apresentada à corte é incontestável,
Não há necessidade do Júri se retirar.
Em todos meus anos de magistrado
Nunca ouvi de um caso
De alguém que merecesse tanto
A pena máxima da Lei.
A forma como fez sofrer,
Sua mãe e sua exótica esposa,
Me enche de vontade de defecar!
Promotor:
vai nessa juiz! Merda nele!
Juiz:
Desde que,meu amigo,
Você revelou seu
Medo mais profundo,
Eu lhe sentencio a se expor
Aos seus semelhantes.
Derrubem o muro!
O Juri:
Derrubem o muro!
EIS A PASSAGEM:
Baphomet – O Louco Transmutado E Ilusão Destruída
(Eliphas Levi)
“Aqueles que sempre procuram por mim devem alquebrar-se para desta forma me encontrarem;assim eles irão me encontrar e olhar-me nos olhos – e então eles irão descobrir ninguém mais que eles mesmos!” AKRON: “Roaming of the Universe” Segundo Mestre Therion Baphomet pode ser entendido como a Criação e resumido pelas duas Letras Hebraicas de Hain e Schin. Ambas as Letras de antemão muito já dizem sobre o conceito de tal figura: Hain é Forçar,quando lhe apraz,a Natureza a revelar-se. Shin é possuir o segredo das riquezas ,transmutar Chumbo em Ouro; ser sempre o amo e não o escravo.Saber extrair o gozo mesmo da pobreza e não cair jamais,nem Na abjeção e nem na miséria. Por fim, chega-se a conclusão de que Baphomet,é aquele que permite-o atingir a Pedra Filosofal,aquele que revela sua Verdadeira Natureza e Eu Supremo à ti de forma Incendiária como o Fogo num Cerrado. Baphomet é aquele que o Deifica e o põem no Manto Negro dos Céus como uma Constelação,como Um Deus dando-te a Emancipação Plena de todos os Grilhões da Efemeridade Humana permitindo-te atingir o Êxtase Supremo no Sol que Sempre Arde em L.L.L.L.L.(Love,Law, Life,Light, Liberty). Colocando tais letras hebraicas no ROTA,encontra-se a Torre(Hain) e o Louco(Schin). A Torre é o “céu da Lua, alterações,subversões, transformações,fraquezas”. A Torre de Babel fulminada pelo Raio da Verdade. Representa a Queda da Torre de Ilusões e Confusões anteriores,a Morte de Choronzon para o Encontro da Verdadeira Vontade oculta antes no “tenebrae” da Torre. Quando todas as fraquezas caem e o sofrimento vêm. Mas após a dor da queda da antiga fortaleza vem a simplicidade de um Mundo Sem Paredes Ilusórias. É o bradar perante os Raios de Thor: “Eu destruo!” É o Dragão de Fogo de Yang que tudo destrói com seu vulcânico hálito complementado pela Imagem da árvore atingida pelo Raio e pelo Fogo de Yin que são vaticínios da Renovação pela Destruição. O Louco é o Novo Começo. Aquele que traz no saco às suas Costas todas as experiências anteriores,desejos desconsideráveis e toda sorte de misérias apenas como algo relegado ao passado e que ensinou-o algo, e foram catalisadores de alguma maneira,da Transformação Verdadeira de Chumbo em Ouro. É o Novo caminhar na Estrada plena do Tao (A Estrada sem Forma). Todo Caos reprimido se vai,e por fim acha-se o Sagrado Guia-Espírito Universal e brada-se:”Eu me torno!”É feita a União com o Todo e o tornar-se Deus(vai-se a mera Treva e Luz dicotômica,vê-se apenas o Cinza) pela Auto-Redenção e Auto-Iniciação. A Torre é a fachada que usamos para esconder o Diabo (Baphomet) que espera pelo Louco na Escuridão do Útero que antecede o Nascer. O Louco ao encontrar o Diabo se transforma e torna-se Real,dando as mãos a este e fundindo-se a tal,enquanto a Antiga Torre da Ilusão se desfaz e o Louco-Diabo toma o Mundo Liberto de si. “Nem todo segredo é revelado diante do conhecimento, nem todos que não conseguem ver são cegos” Domenium
Obrigado Marcio,
Realmente ao meu ver o texto indicado está em sintonia com a ideia gnóstica do retorno de Sophia ao Eon Treze, cuja etapa final está representada pelo Julgamento do Pink.
Agora, fiquei com dúvida sobre o autor do texto que você transcreveu… Parece-me difícil que seja mesmo Eliphas Levi… Você possui alguma referência?
Mais uma vez, obrigado pelo comentário! Grande abraço.
Ou seria Crowley? Acho que achei, rs… dá uma olhada:
http://www.geocities.ws/thiago_x/bar.html
Aqui, tb…
http://www.mortesubita.org/demonologia/hall-da-fama/baphomet
Aí está, segundo Crowley:
“O milagre do Conhecimento e o milagre da Conversação com o Sagrado Anjo Guardião só podem ser executados quando o Magus se esgotou completamente; na linguagem do Tarô, quando o Magus se tornou o Louco. [O Louco (ou o Doido) é a 21ª Lâmina do Tarô. É um Louco do Bem que caminha da esquerda para a direita; sua cabeça está voltada três quartos para a direita, corresponde à letra hebrica ShIN, seu número é 21 e seu nome esotérico é Amor. Na Primeira Epístola aos Coríntios (Corinto era capital da Acaia – uma das principais cidades da Grécia antiga – e era famosa pelo comércio e pela vida imoralíssima dos seus habitantes) Paulo em III, 18 e 19 afirma: Ninguém se engane a si mesmo. Se algum dentre vós se tem por sábio segundo este Mundo, faça-se louco [Louco] para ser sábio [Sábio]. Porque a sabedoria deste Mundo é loucura diante de Deus. Está escrito: Eu apanharei os sábios na sua própria astúcia. Observe, na figura abaixo, que o Louco não maltrata ou enxota o cão!!! Quem compreender isso é também um LOUCO DO BEM!!!].”
Pelo que se sabe, a conversação com o S.A.G. se dá na esfera TIPHARETH… fica a perunta: não seria a mesma experiência citada no texto?
Obrigado Giordano, seus textos são muito bons…
Um grande abraço
Pois é, mas como o texto faz referência à Crowley, é provável que não seja dele.
Não tenho o texto original, mas desconfio que seja do Idries Shah.
Abração!
Bem colocado Marcio :)
E obrigado pela contribuição!
Belíssimo texto Giordano. Muito inspirador.