A Mística e a Sensualidade do Seio de Maria
Em termos tão humanos quanto espirituais, o acontecimento do Natal está profundamente associado à maternidade, pois revela a carinhosa relação entre uma criança recém-nascida e sua mãe. Esta ligação, marcada por um misticismo que se faz carne, encontra sua representação mais objetiva num gesto de grande importância, mas absolutamente natural e comum, que é a amamentação.
No entanto, a grande maioria das cenas que refletem o espírito natalino não apresentam o menino Jesus sorvendo avidamente o leite diretamente de sua fonte sensual e sagrada, o seio de Maria, sendo preferíveis pelo imaginário católico e comercial as imagens mais familiares e moralmente aceitáveis, como a do presépio, quando não as árvores enfeitadas, os presentes e o Papai Noel.
Com certeza o pequeno Jesus não se alimentou através de uma mamadeira, mas sim sentindo o calor do peito de Maria em seus lábios e a doçura de seu leite em sua boca.
E os primeiros cristãos sabiam admirar com os olhos da alma este acontecimento tão espontâneo, enxergando nele, com a mais absoluta naturalidade, o significado humano e místico da amamentação.
Por causa desta atitude, nos primeiros séculos do Cristianismo a imagem de Maria amamentando o menino Jesus, chamada em latim de Madonna Lactans, era algo muito comum de ser encontrado.
Parece ser óbvio o suficiente que esta iconografia maternal tenha surgido através da arte copta do Egito, onde muitos séculos antes da era cristã já existiam em larga escala representações em pinturas e esculturas de uma personagem feminina cercada de mistério que amamenta seu filho, o herdeiro de um reino divino que fora encomendado especialmente para ser o salvador do mundo.
Nelas o menino Hórus, que em conjunto com seu pai Osíris representa um dos protótipos universais da figura de Jesus Cristo, é visto sendo amamentado por Ísis, sua mãe, a deusa da magia e antepassada mítica da Virgem Maria. Assim como muitos outros símbolos, este foi assumido pelo Cristianismo em seu papel de continuador, ao menos naqueles tempos, da tradição esotérica ocidental.
É interessante notar que a imagem mais antiga da Virgem Maria de que se tem conhecimento é um afresco do século III, localizado nas Catacumbas de Priscila, na Via Salaria em Roma, onde o menino Jesus é mostrado sugando o seio exposto de sua mãe divina. Os cristãos primitivos não se sentiam ofendidos pelo seio de Maria, e sabiam encontrar em meio à sensualidade o misticismo de seu gesto maternal.
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Infelizmente, poucas imagens como esta sobreviveram até os dias atuais. Uma delas forma um belíssimo mosaico ostentado na fachada da Basílica de Nossa Senhora no Trastevere, localizada em Roma, onde teria sido celebrada a primeira Missa pública da história do Cristianismo. Ela disputa com a Basílica de Santa Maria Maggiore o título de primeira igreja construída em homenagem à Virgem Maria.
A imagem de Maria amamentando o menino Jesus era tão forte durante a Idade Média que as amas-de-leite, tão comuns entre as classes sociais mais altas daqueles tempos, eram vistas como representações da Virgem da Humildade, retratada por gênios da pintura como Bernardo Daddi, Giovanni di Paolo e Fra Angelico sempre vestida com roupas simples e sentada ao chão.
Mas esta imagem tão popular começou a cair em desuso na transição da Idade Média para a Idade Moderna, em virtude do advento da imprensa, do Protestantismo e do Concílio de Trento. Após este último, ocorrido na metade do século XV, as autoridades eclesiásticas passaram a desencorajar a presença de qualquer tipo de nudez em imagens religiosas, causando o lento desaparecimento da Madonna Lactans da iconografia católica.
Em paralelo a esta determinação institucional religiosa, a disseminação da imprensa ajudou a promover a desmistificação das formas do corpo pela medicina, que multiplicava o corpo e suas partes em inúmeros estudos gráficos destinados à produção de conhecimento científico. Mais recentemente, a imprensa também ajudou a banalizar o corpo e a impregnar sua imagem com uma sensualidade artificial.
E ainda a imprensa viria a colaborar com o desaparecimento da Madonna Lactans ao servir de instrumento de proliferação da Bíblia, algo que, em conjunto com o surgimento do Protestantismo, que causou a diminuição do uso de imagens e das práticas devocionais católicas relacionadas à Virgem Maria, transformou definitivamente as escrituras no centro da religiosidade cristã.
Todos estes fatores culturais, religiosos e tecnológicos fizeram com que até mesmo os católicos considerassem a imagem do seio feminino como algo impróprio para ser ostentado no interior de uma Igreja. E enquanto a imagem da amamentação de Jesus foi parcialmente censurada, fazendo da natividade uma cena familiar moralmente aceitável, o sacrifício de Jesus na cruz se tornou definitivamente o ícone do Cristianismo.
Por mais que as circunstâncias descritas acima tenham obliterado a sensualidade do seio de Maria, e com ela o seu misticismo, o esoterismo mantém viva esta representação da maternidade como elemento de acesso ao conhecimento gnóstico, oculto e secreto, pois não haverá o praticante das ciências ocultas de esbarrar em jogos dogmáticos e na distorção da natureza sagrada da sexualidade humana.
O seio é para o gnóstico, assim como para o menino Jesus, uma fonte de alimento erótico e espiritual imprescindível para o seu crescimento e desenvolvimento interior. O menino Jesus somente foi capaz de se tornar o vigoroso líder que desafiou a estagnação de sua tradição graças ao leite que verteu de maneira frondosa e abundante do seio de sua mãe.
Da mesma forma, para todo aquele que é capaz de respeitar a feminilidade e reconhecer seu caráter sagrado, a mulher amada, que é sempre uma mãe em potencial e que encarna os mais excitantes e divinos atributos da Virgem Maria, a Deusa do Cristianismo, oferecerá livremente seu seio como fonte permanente de uma força capaz de alimentar o erotismo que permitirá o nascimento místico do Cristo Interior.
Este nascimento foi, é e sempre será o objetivo central da prática gnóstica, mesmo que esta receba outros nomes mais adaptados a diferentes linguagens. Maria, pura e santa, a deusa que habita o coração do homem e também seu leito, está sempre disposta a oferecer seu ventre e seu seio para que o Cristo possa ser concebido, para que nasça, cresça e cumpra a missão de ser o elo de ligação com a divindade.
Minha avó possui uma imagem da Virgem Maria amamentando Jesus, e eu nunca havia pensado desta forma. Excelente texto.
Obrigado pelas palavras Johann :)
Olá,
Acabo de ler um texto de Chevitarese, “Maria, Menino Jesus e a Ilegitimidade Física do Filho de Deus, em Jesus de Nazaré, Uma Outra História, onde a visão de herança da escola Ísis/Hórus como explicação para a difusão desta imagem é colocada em cheque oposição a novas explicações. Conhece? Achei bem interessante e fundamentada.
Abraço
Marcio
Olá Marcio,
É um bom estudo, mas não alcança refutar as impressionantes similaridades existentes entre os dois modelos, o cristão e o egípcio. Além disso, como sempre temos destacado, nosso interesse recai sobre a representação deste símbolo para a consciência, e não sobre os irrecuperáveis detalhes históricos.
Obrigado pela contribuição!
Abraços!
Olá!
Excelente site, excelente texto!
Contudo nem tudo é perfeito e por isso mesmo faço aqui uma observação, e caso julgar necessário, peço que faça uma correção no penúltimo parágrafo, onde se lê que a Virgem Maria é a Deusa do cristianismo. Não, ela não é! No cristianismo há um só Deus em três pessoas e acredito que todos aqui saibam bem disso, a Virgem Maria é obra de Deus, de todas as criaturas ela é a mais perfeita, a cheia de Graça. Os Cristãos Católicos jamais viram a figura de Maria como Deusa, apesar d’Ela estar intrinsecamente e totalmente mergulhada no mistério da Trindade Divina e ter o papel de Mãe, Filha e Esposa de Deus Uno e Trino intercedendo por toda a humanidade no Reino Celeste.
Entendo a relação da Virgem com as divindades femininas de eras anteriores ao cristianismo, no entanto temos que saber separar as figuras dentro de cada contexto religioso. Talvez a Deusa tão adorada em várias culturas sejam figuras arquetípicas da mesma Virgem dos cristãos, porém ela é Deusa somente para essas culturas e isso é muito diferente dela ser Deusa no Cristianismo.
Comecei a estudar Gnose há pouco tempo e gostaria de entender melhor a figura da Stma.Virgem Maria dentro do contexto Gnóstico, podem me recomendar outros artigos!
Espero ter-me feito claro.
Abraços.
Lúcio Clayton
Olá Lúcio,
Obrigado pelos seus comentários.
Estamos de acordo que para o Cristianismo não é apropriado chamar a Virgem Maria de Deusa, e agradecemos a sua breve exposição teológica sobre o assunto.
Contudo, nosso texto parte de bases gnósticas universais, de textos gnósticos antigos (como A Protenóia Trimórfica, O Apócrifo de João, Sobre a Origem do Mundo, O Evangelho da Verdade, Os Diálogos do Salvador), e é escrito para gnósticos, NÃO PARA CATÓLICOS. Para o gnosticismo (assim como para muitos cristãos primitivos, entre os quais o próprio bispo Teófilo de Antioquia), O ESPÍRITO SANTO É FEMININO, e sendo a Virgem Maria uma de suas representações, assim como Sophia ou Éden, por exemplo, ela pode ser tranquilamente chamada por nós de a DEUSA DO CRISTIANISMO.
Não queremos com isso aculturar católicos, fazendo o mesmo que eles próprios fizeram com tantas outras religiões pagãs. Cada um vive sua religiosidade à sua maneira. O importante aqui é não achar que nossa teologia é derivada da vossa ou que pretende nela causar qualquer interferência.
Volta e meia os cristãos (especialmente os católicos) se incomodam com as interpretações universalistas que os gnósticos conferem aos símbolos, numa atitude exclusivista que apenas reflete o desprezo, a intolerância e a perseguição de outrora, além de revelar completo e profundo desconhecimento pelo que é o Gnosticismo enquanto movimento filosófico e religioso, que sempre foi e será visto como uma ameaça ao autoritarismo da Igreja Católica.
Se quiser reverter este triste quadro, comece por esta obra singela, carregada de esoterismo prático e que foi escrita por um dos maiores Mestres gnósticos dos últimos tempos, Samael Aun Weor: https://sgiorg.wpengine.com/doutrina-da-sintese/el-libro-de-la-virgen-del-carmen/
Enfim, seu pedido de alteração do texto foi NEGADO, por estar apoiado em bases conceituais equivocadas e na suposição de que estamos alterando elementos teológicos de sua forma religiosa, enquanto estamos somente estudando a religiosidade em sua essência, através de uma linguagem que nos é tradicional e própria.
Atenciosamente,